No dia 10 de outubro de 2023, duas datas de extrema importância são celebradas no Brasil e no mundo: o “Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher” e o “Dia Mundial da Saúde Mental”. Para abordar essas questões cruciais que afetam mulheres globalmente, convidamos a psicóloga Raquel Tanabe, representante da Associação Fala Mulher, para uma entrevista esclarecedora e inspiradora.
Com o conhecimento da nossa especialista, buscaremos compreender como as mulheres podem enfrentar a violência e fortalecer sua saúde mental. Também exploraremos como essas datas podem servir como momentos cruciais para reflexão, conscientização e ação. Além disso, examinaremos como a sociedade como um todo pode desempenhar um papel fundamental na promoção de um futuro mais seguro e saudável para todas.
O que é violência?
Para entender o quanto esse assunto é complexo, é preciso compreender as estruturas a partir do conceito de gênero. O gênero é uma construção histórica e sociocultural, onde existe atribuição de papéis e comportamentos aos sexos. Podemos ver, por exemplo, o quanto é atribuído as mulheres, passividade, fragilidade, emoção; Enquanto aos homens, é atribuído força, racionalidade e dominação.
Essas dimensões de gênero são rígidas e muito disfuncionais, esses papéis acabam limitando os comportamentos das pessoas a determinadas atividades consideradas mais “certas” para cada sexo, e assim são estruturadas enquanto relação de poder.
Se compreendemos a violência como qualquer ato de agressão ou negligência à pessoa, que produz um dano psicológico, físico ou sexual, então a violência de gênero é essa agressividade sobre a base de seu sexo ou gênero.
No Brasil, contamos com a Lei Maria de Penha, considerada uma das legislações mais avançadas do mundo na luta contra a violência dirigida às mulheres. Através dela, diversas políticas públicas foram desenvolvidas no país. Essa lei define a violência contra a mulher como qualquer conduta, seja uma ação ou omissão, que envolva discriminação, agressão ou coerção, motivada exclusivamente pelo gênero feminino da vítima. Ela define cinco tipos de violência, que são:
- Violência física: Ofensa a integridade ou saúde corporal;
- Violência psicológica: Dano emocional e diminuição da autoestima ou conduta que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
- Violência sexual: Conduta que constrange a pessoa a testemunhar, participar ou manter relações sexuais não desejadas por meio de intimidação, ameaça, coerção ou uso da força; que a força a explorar ou usar sua sexualidade de qualquer maneira; que a impede de utilizar métodos contraceptivos; ou que a coage ao matrimônio, gravidez, aborto ou prostituição, mediante chantagem, suborno ou manipulação. Essa conduta também pode restringir ou anular o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
- Violência patrimonial: Retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
- Violência moral: Calúnia, difamação ou injúria.
A vivência da violência contra a mulher é extremamente opressiva, impactando sua autonomia, minando a autoestima e reduzindo significativamente a qualidade de vida. Em muitos casos, essa violência acaba gerando problemas sociais adicionais, como desemprego, marginalização e o uso de substâncias como álcool e drogas. Além disso, ela representa uma das formas mais prejudiciais de desestruturação, afetando não apenas a vida pessoal das mulheres, mas também suas famílias e a sociedade como um todo.
É fundamental destacar que, embora a violência contra a mulher seja um problema sério há muito tempo, durante um período significativo, ela foi tratada como uma questão relacionada à esfera privada. Somente recentemente, passou a ser reconhecida como um problema que exige discussões abertas e políticas eficazes para enfrentamento e prevenção.
Como se previnir da violência?
A prevenção e o enfrentamento da violência contra a mulher são cruciais e dependem não apenas da conscientização de indivíduos, famílias e comunidades, mas também de toda a sociedade. Apesar da existência de políticas públicas voltadas para esse fim, muitas vezes essas políticas se mostram insuficientes e com deficiências significativas. Portanto, é imperativo que adotemos uma perspectiva de gênero abrangente na formulação das políticas nas áreas de educação, saúde, assistência social e segurança pública. Essa abordagem é essencial para promover relacionamentos humanos baseados no respeito pelos direitos das mulheres, contribuindo assim para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Além disso, é importante ressaltar que a violência de gênero tem implicações profundas na saúde mental das vítimas. No contexto da saúde mental, a violência de gênero está fortemente associada a uma série de consequências prejudiciais, incluindo o desenvolvimento de quadros de depressão, ansiedade, fobias, transtorno pós-traumático, comportamento suicida, distúrbios alimentares e muito mais. Esses impactos destacam o sofrimento significativo causado pela opressão e violência contra as mulheres.
Portanto, ao desenvolver políticas públicas, é essencial levar em consideração não apenas a prevenção da violência em si, mas também os impactos duradouros que ela pode ter na saúde mental das mulheres afetadas, a fim de proporcionar intervenções mais eficazes e abrangentes.
Para combater a violência contra a mulher, vários serviços sociais oferecem ações e atividades, como o CDCM (Centro de Defesa e Convivência da Mulher), que incluem atividades educativas para conscientização sobre relacionamentos abusivos e violentos, fortalecimento e empoderamento individual, visando à emancipação das mulheres, além de ações de fortalecimento em grupo para promover um sentimento de pertencimento, respeito e apoio mútuo. Dessa forma, como sociedade, contribuímos fortalecendo, coordenando e facilitando redes de serviços e solidariedade.
Mas, além disso, é importante contar com o apoio desses serviços para enfrentamento direto também, como denúncias, livramento e representação de B.O., solicitação de medidas protetivas. Porque mesmo que seja muito significativo o fortalecimento das mulheres nesse contexto, é necessário que elas sejam amparadas juridicamente e que os agressores sejam responsabilizados pelos seus crimes.
Onde conseguir ajuda em situação de violência?
Caso você seja vítima de algum tipo de violência ou conheça alguém que esteja passando por essa situação, você pode:
- Procurar os órgãos públicos – saúde, assistência social, segurança pública e justiça – para conhecer os equipamentos disponíveis para a sua região: Casa da mulher brasileira, CDCM, casas de passagem, casas-abrigo, CAM, CRAS, CREAS, CAPs, unidades de saúde e varas judiciais, promotorias, defensorias e delegacias especializadas;
- Não tenha vergonha de pedir ajuda inclusive psicológica;
- Ligue 180 – Central de atendimento à Mulher que funciona 24 horas, todos os dias da semana. Lá recebem relatos, acolhem, informam e orientam mulheres em situação de violência. Quando se tratar de violência psicológica ou moral, o contato deve ser feito pela mulher que a sofreu, exceto se tratando de uma menor de idade ou tutelada. Quando há violência física grave ou sexual, qualquer pessoa pode efetuar o registro.
- Não existe apenas a solução criminal – há possibilidades psicossociais e providências nos Juízos Cíveis e de Família, inclusive indenização por danos materiais e morais.
- Solicite as medidas protetivas elas facilitam o acionamento de emergência via 190 e marcam a data a partir da qual o agressor deve se afastar ou se abster de aproximação e contato, sob pena de decretação de prisão preventiva.
De fato, tanto o Estado quanto a sociedade civil desempenham papéis cruciais na luta contra a violência contra a mulher. É um dever fundamental garantir às mulheres o direito à dignidade da pessoa humana. A independência, seja ela física, psicológica ou financeira, é uma ferramenta poderosa para transformar essa realidade. Capacitar as mulheres a terem controle sobre suas vidas é essencial para libertá-las dos sintomas da violência e para promover uma sociedade mais justa e igualitária. Essa é uma missão compartilhada que requer esforços conjuntos para erradicar a violência de gênero.
Violência e auto-estima
Quando pensamos em maneiras de transformar essa situação, o exercício da autoestima é uma ferramenta fundamental. A autoestima é um dos principais indicadores do bem-estar psicológico e da saúde mental, independentemente do sexo, idade, educação, cultura e ocupação. Ela exerce influência em praticamente todos os aspectos de nossas vidas e pode ser definida como a avaliação afetiva do valor, estima e importância que cada indivíduo atribui a si mesmo.
Indivíduos que possuem uma visão mais positiva de si mesmos tendem a experimentar uma maior satisfação em relação à vida. Eles estão mais aptos a enfrentar e resolver os desafios com responsabilidade e confiança. Em contraste, o sofrimento psíquico tende a prejudicar o desempenho da pessoa em áreas como vida pessoal, social, familiar, profissional e acadêmica. Além disso, pode afetar a compreensão de si mesmo e dos outros, a capacidade de autocrítica, a tolerância diante das adversidades e a habilidade de encontrar prazer na vida em geral. Portanto, o fortalecimento da autoestima e a promoção da saúde mental são essenciais para o bem-estar e a qualidade de vida.
Cuidar da nossa saúde mental é um processo contínuo que, embora possa ser desafiador no início, traz inúmeros benefícios. É crucial desmistificar a ideia de que cuidar de si mesmo é egoísmo, pois, na realidade, é um ato de amor próprio. Reservar um tempo para o autocuidado, incorporar atividades que proporcionam prazer e tranquilidade à rotina, bem como incluir momentos de pausa e descanso, são atitudes preciosas para promover e preservar nossa saúde emocional.
Além disso, cultivar hábitos saudáveis, como manter uma alimentação equilibrada, garantir um sono de qualidade e participar de atividades físicas, desempenha um papel fundamental no bom funcionamento do organismo e das funções cerebrais. Isso inclui a melhoria da memória, da cognição e a regulação da produção de hormônios relacionados ao humor e ao bem-estar, bem como aos níveis de energia.
E, sem dúvida, a conexão com outras pessoas desempenha um papel de extrema importância. Compartilhar histórias, estabelecer laços afetivos, cultivar amizades sólidas e compartilhar experiências com entes queridos têm o poder genuíno de remodelar nossa realidade. Embora possam parecer simples à primeira vista, esses pilares são de importância fundamental e, muitas vezes, são os que acidentalmente deixamos de lado.
A Associação Fala Mulher é parceira do Vivalocal e atua no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher, na construção da equidade de gênero, na promoção da independência financeira feminina, na facilitação do acesso às informações sobre a Lei Maria da Penha e os direitos das mulheres. Saiba mais aqui.
Raquel Tanabe é psicóloga, palestrante e comunicadora nas redes sociais onde fala sobre bem-estar e autoestima. Atua no CDCM no enfrentamento à violência doméstica, atende em Clínica particular e dá palestras promovendo saúde mental, autonomia e inteligência emocional. Saiba mais aqui.